A curiosa trajetória do sucesso tardio de O Senhor dos Anéis

3/01/2017 | Giro Cultural

Edição pirata norte-americana e movimento hippie transformaram livro em bestseller quando escritor tinha mais de 60 anos

Edição pirata norte-americana e movimento hippie transformaram livro em bestseller quando escritor tinha mais de 60 anos

FONTE: OMELETE UOL

 

Hoje é 3 de janeiro, o que significa que neste dia, em 1892, nasceu John Ronald Reuel Tolkien. Em 2017, a efeméride fica ainda mais especial, pois Tolkien completa 125 anos. E o ano promete para os fãs do escritor. Em meio a edições comemorativas e livros inéditos, Tolkien segue sendo celebrado como um dos autores mais influentes dentro da literatura mítica moderna. E não é para menos. O garoto nascido em Blumefontaina, na África do Sul e que gostava de inventar novas línguas mudou para sempre o gênero da fantasia ao criar a Terra-Média um mundo complexo e de grande riqueza cultural, linguística e mitológica.

No entanto, o sucesso de O Senhor dos Anéis demorou para acontecer. É estranho pensar nisso hoje em dia, ainda mais após a conquista de uma nova audiência com as adaptações de Peter Jackson para o cinema, mas, ao realizar uma breve análise da trajetória comercial e a recepção da crítica aos três livros, percebe-se que o sucesso global veio muito tarde. Tolkien já passava dos sessenta anos quando O Senhor dos Anéis fez dele um autor best-seller. Apesar do imediato sucesso no Reino Unido, foram necessários dez anos para que editora norte-americana comprasse os direitos de publicação nos EUA, em uma história cercada de curiosidades e determinante para a transformação de O Senhor dos Anéis em um sucesso global.

Em 21 de setembro de 1937, Tolkien publicou O Hobbit e imediatamente o trabalho foi bem recebido por crítica e público, com a tiragem de 3.500 se esgotando de forma rápida. Apenas um mês depois do lançamento, Tolkien e seus editores começaram a conversar sobre uma sequência. O autor então ofereceu à editora O Silmarillion, mas este projeto foi  recusado pelos executivos, que estavam buscado um livro no mesmo tom do O Hobbit. Tolkien percebeu então que o ponto de partida seria o anel recuperado por Bilbo na caverna de Gollum. A história cresceu e o primeiro volume de O Senhor dos Anéis foi publicado na Inglaterra no verão de 1954, quase 16 anos depois de Tolkien ter iniciado o trabalho. Os três volumes foram publicados entre 54 e 55 na Inglaterra pela Allen & Unwin e importados para o Estados Unidos pela Houghton Mifflin. No início de 1964, Donald Wollhein, funcionário da Ace Books, editora conhecida por publicações em formatos populares e de menor custo, começou a observar o sucesso do O Senhor dos Aneis entre os universitários norte-americanos, especialmente na Califórnia. Empolgado com o potencial da obra, Wollhein ligou para Tolkien e perguntou se o professor  autorizaria a publicação da trilogia em paperbacks. A resposta foi curta e grossa: “Nunca permitirei que meus grandes trabalhos sejam lançados em um formato tão degenerado como paperback”.

Obstinado, Wollhein então pesquisou a situação contratual das obras de Tolkien nos Estados Unidos e descobriu um furo de copyright no contrato com a editora que importava a obra para a América. Dadas a confusa política de copyright nos EUA da época, a Ace então publicou em junho de 1965 as edições “degeneradas”, que logo caíram no gosto popular e venderam mais de cem mil exemplares em pouco tempo. Pressionado pela editora, Tolkien se viu obrigado a completar uma série de revisões na qual já vinha trabalhando, para que sua editora americana pudesse lançar novas edições tanto de O Senhor dos Anéis quanto de O Hobbit. Vendo o aproveitamento da trilogia da Ace nas vendas, a Houghton & Mifflin decidiu lançar uma versão original sem revisões – que seriam inseridas nas reedições – em uma edição pouco atraente, posteriormente criticada pelo próprio Tolkien.

Ainda que as edições da Ballantine viessem com uma declaração de autorização de publicação do autor, a Ace Books oferecia os livros com um preço mais barato ($ 0.75 contra $ 0.95 da Ballantine) e capas atraentes. Em suas respostas às cartas de fãs norte-americanos, Tolkien contava sobre o aborrecimento que sentia em relação à confusão editorial. O boca-a-boca entre os fãs cresceu com uma velocidade impressionante e, em poucos meses, o imbróglio chegou à imprensa nacional, intrigando pessoas que nunca haviam lido O Senhor dos Aneis a procurar o volume nas livrarias. Durante o ano de 1965, 100 mil exemplares da edição da Ace haviam sido vendidos. Em seis meses do mesmo ano, a edição da Ballantine alcançou a marca de um milhão de exemplares vendidos.

A pressão feita por grupos como a Tolkien Society e os leitores americanos em  geral  era  indício das proporções que a obra de Tolkien começava a adquirir  na cultura popular  da  época. Com a publicidade e o envolvimento dos leitores  na  briga editorial entre a Ace Books e a Ballantine, aliados à marca de um milhão de exemplares vendidos, certo culto começou a se criar sobre o autor, que caiu nas graças da juventude norte-americana e encontrou ecos no movimento hippie. Rapidamente, Tolkien se viu no meio de um furacão midiático, sendo transformado em uma espécie de guru e pavimentando seu caminho para se tornar a principal referência dentro da literatura fantástica, praticamente um sinônimo do gênero.

Próximo da aposentadoria e ansioso para dedicar o tempo livre para trabalhar em outros projetos, principalmente O Silmarillion, livro que passou quase quarenta anos escrevendo, J.R.R Tolkien não aproveitou totalmente o sucesso de O Senhor dos Aneis. De personalidade forte, não gostou de ter se tornado uma figura de culto, não entendendo o porquê das pessoas se interessassem tanto por sua rotina, hábitos ou vida privada. Para Tolkien, só a obra importava. 125 anos depois de seu nascimento, podemos afirmar com segurança de que ele estava certo.

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