Prof. Luiz MASCARENHAS*
“…no bar todo o mundo é igual/Meu caso é mais um é banal/Mas preste atenção por favor…”
Itaunices. Defino “itaunices” como aqueles traços de personalidade ou costumes ou manias ou ainda singularidades que identificam a nós – os nativos, os agregados, os honorários e os moradores da pedra negra, de Blackstone City ou das barrancas de Sant’Ana do São João Acima de Pitanguy. Exemplificando, uma legítima itaunice seria o ter escorregado, quando criança, no monumento ao Dr. Augusto Gonçalves que existe na praça que leva o seu nome, mas que insistimos em chamar de “Praça da Matriz” (o escorregador da praça); ou ainda ter comprado pipoca do seu Dico no seu mini ônibus ou ter comido cocada no alto do Rosário nas festas do Reinado ou ainda ter forrado o estômago com um pf no Bar do Sandoval madrugada afora…
Falando em bar, a palavra “Bar” origina-se do inglês bar, que designa o mesmo tipo de estabelecimento. Originalmente, o termo significava “barra”, aquela que fica na base do balcão e em que se apoiam os pés. Outra versão para o significado do nome é a barra (trave) de madeira em que se amarravam os cavalos nos saloons do Velho Oeste estadunidense.
Seja como for, na Babilônia, já existiam as chamadas tavernas em 1772 a.C., data do Código de Hamurábi, que previa pena capital para o dono do estabelecimento comercial que misturasse água na cerveja. As tavernas, inicialmente, eram pousadas para os viajantes, cujo serviço de bebidas era um complemento. Com o passar dos anos, passou a servir também aos residentes locais, geralmente de classe baixa, passando a oferecer, também, música, prostitutas, jogo de dados e brigas de galo. O bar mais antigo ainda em funcionamento é o Ye Olde Fighting Cocks, na cidade de St. Albans, na Inglaterra, que foi fundado em 1539. No Brasil, os bares surgiram com a chegada da Família Real em 1808, que trouxe os costumes da Europa. Eram destinados aos clientes de maior ascensão econômica. O boteco é um bar popular, seu nome vem de “bodega” (venda). Até a revolução dos costumes em meados do século XX, as “mulheres de família” não frequentavam bares, botecos ou tavernas.
Definidos, itaunices e bar, chegamos a um dos mais célebres bares da nossa Itaúna: O BAR DO OTACÍLIO. O Bar do Otacílio existiu por- salvo engano- quase 60 anos e mudou de paradeiro por diversas vezes. E com o seu Otacílio à frente do mesmo. Fui habitué por anos a fio e posso testemunhar a fidelidade de sua clientela que se mudava junto com o estabelecimento.
O instituto “bar” é um patrimônio cultural, antropológico, etílico, diria quase essencial para a vida humana. É um universo paralelo. E no bar, encontra-se os tipos, estereótipos e as mais estranhas figuras da sociedade.
É verdade que – lamentavelmente- muitos dele utilizaram e utilizam para suas fugas da realidade que não querem ou não aguentam viver e se enveredam pelos tristes caminhos do alcoolismo e autodestruição. Contudo, essas linhas tem a licença poética para o romantizar do nosso duro cotidiano.
Mas, lá estavam, o seu Otacílio, a dona Maura e seus petiscos e iguarias das mais saborosas da cidade. O casal de enamorados, o casal de muitas bodas…O primeiro se entreolha e se fita: contempla rostos, cabelos e traços e olhar fala muito. O segundo entreolha o relógio e fita os transeuntes, contempla a comida e boca mastiga raivosamente. Existem os de passagem, que jamais retornarão; os habitués sempre nos mesmos lugares e no mesmo horário e com os costumeiros pedidos. Cheguei ao nível do garçom ao me ver estacionar, já arredava a cadeira, levava a cerveja e me informava que o tira gosto já estava a caminho…
Havia o solitário a beber e pensar com seus botões e o dos grupos…do trabalho, do futebol e da política. Esta última há milênios é resolvida em boa parte nas tavernas e botecos mundo afora. Afinal, nada como o ambiente do bar para traçar os conchavos e confabular as conspirações.
Ah! O bar! O tempo do bar corre misteriosamente de modo peculiar: horas no bar não são sentidas. Quantos relacionamentos também não foram iniciados por aquele olhar soturno para a mesa do outro lado? Negócios fechados, mal entendidos resolvidos ou começados. Enfim, o bar é o mundo.
Pedidos estranhos, como colocar um cubo de gelo em um conhaque ou pedir uma cerveja sem gelo…E o garçom? Os garçons são figuras míticas que sabem muito de todo mundo. Quem com quem, quem com dívidas, quem de bem, quem de mal, o proibido e o inusitado. As orelhas dos garçons são como dos confessores, porém, aqui, sem penitências e por vezes com anuências. Nunca destrate o garçom. Pode lhe ser prejudicial ao andamento dos pedidos ou até à sua saúde.
O bar é o lugar dos poetas, escritores, artistas, notívagos e doutores. Cada um vai ao bar para uma finalidade justa ou totalmente aluada. O bar é o bar e pronto. Música ao vivo? Não tinha e ainda bem…Quando o artista é bom, que bom; quando é sofrível, o sofrimento é muito grande…O que acontece no bar, fica no bar. Ou deveria. Geralmente, quando sai de lá, causa estragos de toda a ordem. O bar é o início dos sonhos e final das ilusões. No bar se chora de alegria, de embriaguez e de pouca ou muita lucidez.
Bar do Otacílio…O Marinho de Faria. De boa prosa, de inteligência e sagacidade aguçadas. Sabia agradar. Comerciante. O tico-tico…Dos temperos da dona Maura, a carne de panela, a moela ao molho, o frango com quiabo e as bolas de carne gigantescas: sabores de uma Itaúna que já se vai nas brumas da Jove Soares. Um bom tempo, boas páginas da nossa rica História barranqueira. Otacílio: muito obrigado pela boa prosa e essa você pendura.
*Bacharel em Direito / Licenciado em História pela UNIVERSIDADE DE ITAÚNA
Historiador/ Escritor/ Membro Fundador da ACADEMIA ITAUNENSE DE LETRAS/
Autor de “Crônicas Barranqueiras” e coautor de “Essências”, “Olhares Múltiplos” e
“O que a vida quer da gente é coragem”/
Cidadão Honorário de Itaúna