Captação de órgãos tem a pior taxa dos últimos cinco anos

14/02/2017 | Brasil

Tratamento. Fila para transplante de rim é a maior do Estado, com 2.294 pessoas na lista de espera; para muitos, hemodiálise é alternativa. (Foto: reprodução)

Índice foi de 10,4 por milhão de habitantes no ano passado no Estado, abaixo do nacional, de 14

Fonte: O tempo.

Em 1° de fevereiro, o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, informou que Marisa Letícia, 66, mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não tinha mais fluxo cerebral. A partir dali, o Brasil acompanhou o protocolo para a confirmação da morte encefálica e a doação de órgãos, autorizada pela família. As córneas, os rins e o fígado foram transplantados em pacientes paulistas. Mas muitos casos semelhantes deixam de acontecer no Brasil por falta de estrutura dos hospitais para identificar potenciais doadores e diagnosticar esse tipo de óbito.

Em Minas, ao mesmo tempo em que cresce a lista de espera por transplantes (de 3.093 em 2015 para 3.143 em 2016), cai a lista de doadores. No ano passado, a taxa de notificação de morte encefálica foi de 27,5 por milhão de habitantes, o que se mantém estável em relação a 2015 (27,2), mas mostra uma queda em relação a 2014 (32,7) e os anos anteriores (veja abaixo). O mesmo ocorreu com a taxa de captação de órgãos, que em 2016 foi de 10,4, o pior índice desde 2012 e abaixo da taxa nacional (14).

“Tivemos um ano ruim de captação. A saúde, de um modo geral, está muito precária. Alguns hospitais, principalmente no interior, têm dificuldades para fazer o diagnóstico da morte encefálica, o que depende de neurologista ou um neurocirurgião. Morte não tem hora para acontecer, e é difícil ter um profissional desse no esquema de plantão”, disse o presidente do MG Transplantes – órgão ligado à Secretaria de Estado de Saúde (SES) –, Omar Lopes Cançado Júnior.

Minas tem 222 hospitais notificantes, autorizados pelo Ministério da Saúde a informar potenciais doadores – pacientes em coma profundo. “São locais onde seria possível fazer o diagnóstico de morte encefálica, que têm pronto-socorro, Centro de Terapia Intensiva (CTI), leitos com respiração artificial, etc., mas não necessariamente são hospitais com equipamentos suficientes. Muitos perderam parte do corpo clínico nos últimos anos”, afirmou.

Para identificar a morte encefálica, é preciso seguir um protocolo de três etapas, o que inclui análises clínicas para identificar qualquer esboço de respiração ou reflexo, e exames no cérebro, como tomografia e doppler transcraniano.

Omar Júnior não soube informar o número de hospitais credenciados que não estão fazendo a notificação, mas a deficiência ocorre até na região metropolitana, onde muitas vezes o MG Transplantes é acionado para emprestar um aparelho de eletroencefalograma portátil. A consequência é a redução do número de transplantes – de 2.185 em 2015 para 1.976 em 2016, queda de 9,5{4f38b4b7d8b4b299132941acfb1d57d271347fbd28c4ac4a2917fcb5fee07f0b}.

Foto: reprodução 

DIAGNÓSTICO

Protocolo. A morte encefálica deve ser comprovada após dois exames clínicos e um exame gráfico (tomografia, doppler transcraniano, arteriografia cerebral, dentre outros).

Passo a passo. Primeiro, é retirada qualquer medicação que possa interferir no resultado, como sedativo, e espera-se 24 horas. Depois, é feito um exame clínico para atestar reflexos cerebrais ou respiratórios. O exame gráfico serve para comprovar se há atividade e fluxo sanguíneo no cérebro. O exame clínico deve ser refeito dentro de, no mínimo, seis horas (o tempo varia de acordo com a idade).

LONGA FILA

É comum o paciente com deficiência renal reagir bem ao tratamento no início, mas depois ter forte abatimento. A falta de perspectiva pelo transplante leva muita gente a um estado de desânimo e prostração, segundo o vice-presidente da Associação dos Pacientes Doadores, Receptores e Transplantados de Órgãos e Tecidos (Amparos), Álvaro Antônio Trevizani.

Ele conhece pacientes há mais de 20 anos aguardando um transplante de rim, órgão que mais demanda cirurgias – são 2.294 pessoas hoje na lista de espera. “A única saída é o transplante, mas são tão poucas doações que a pessoa pensa que morrerá antes”.

Há três anos e meio, Trevizani conseguiu um transplante de rim, após cinco anos e meio de espera. Ele conta que sua vida mudou, hoje é livre da hemodiálise, pode tomar água (antes só podia 200 mL) e consegue fazer xixi. “Todo dia agradeço a Deus”. (LC)

Interior tem regiões sem nenhuma estrutura

As regiões Leste, Norte, Nordeste e Vale do Jequitinhonha são as mais críticas, com áreas sem nenhuma estrutura para notificação de potenciais doadores de órgãos, segundo o MG Transplantes. São os chamados “vazios assistenciais”.

Na Leste, a captação tem sido feita basicamente no Hospital Márcio Cunha, em Ipatinga, no Vale do Aço, e faltam mais unidades, segundo o presidente da Sociedade Mineira de Nefrologia, Daniel Calazans. “Temos a pior taxa de transplantes de doador falecido”.

Para Calazans, é fundamental o engajamento de mais hospitais, inclusive com a criação de Comissões Intra-hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos, que ajudam a identificar doadores e promover o diagnóstico. Em Minas, são apenas 60 comissões, segundo o presidente. (LC)

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