CPI pede indiciamento de Bolsonaro e mais 60

18/10/2023 | Brasil

 

CPI dos Atos Golpistas durante sessão em que relatório final foi votado – Foto Edilson Rodrigues/Agência Senado

 

 

A CPI dos Atos Golpistas aprovou nesta quarta-feira 18/10, o relatório final elaborado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que propõe o indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e aliados do ex-presidente por tentativa de golpe de Estado.

 

O relatório recebeu 20 votos favoráveis e 11 contrários.

 

Com a aprovação do parecer, chega ao fim o colegiado misto criado para investigar os atos golpistas de 8 de janeiro. Após cinco meses de trabalhos, o documento definitivo da CPI pediu, no total, o indiciamento de 61 pessoas, entre civis e militares.

 

O placar a favor do relatório de Eliziane impõe derrota à oposição, que tentou responsabilizar membros do governo Lula pelos ataques às sedes dos Três Poderes.

 

No documento aprovado, a senadora apontou esforço deliberado do entorno de Bolsonaro para acirrar o ambiente político e estimular a adesão de simpatizantes a atos antidemocráticos.

 

O parecer também traçou um histórico antidemocrático da gestão Jair Bolsonaro e atribuiu ao ex-presidente responsabilidade direta por ataques às instituições da República.

 

Como resultado, foram indiciados 5 ex-ministros e 6 ex-auxiliares diretos de Jair Bolsonaro. Ex-comandantes do Exército e da Marinha nomeados por ele também constam da lista, junto a outros 27 militares e policiais militares do Distrito Federal.

 

“O 8 de janeiro é obra do que chamamos de bolsonarismo. não foi um movimento espontâneo ou desorganizado; foi uma mobilização idealizada, planejada e preparada com antecedência. Os executores foram insuflados e arregimentados por instigadores que definiram de forma coordenada datas, percurso e estratégia de enfrentamento e ocupação dos espaços”, afirmou Eliziane Gama.

 

O relatório será enviado a órgãos que avaliam e decidem pela apresentação de denúncias, ou não, com base nas conclusões da comissão. Entre as instituições para as quais o documento é encaminhado estão o Ministério Público Federal e a Advocacia-Geral da União (AGU).

 

Em um primeiro desdobramento da CPI, na próxima semana, a relatora deve entregar o documento à chefe interina da Procuradoria-Geral da República (PGR), Elizeta Ramos.

 

Próximos passos

 

Com o envio à Elizeta, a expectativa é que o material seja remetido ao subprocurador escalado para as ações do 8 de janeiro no Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Frederico Santos.

 

Entre as hipóteses possíveis para o conteúdo na PGR, estão:

 

  • a abertura de novas investigação com base no relatório

 

  • a anexação de materiais do relatório a apurações em andamento

 

  • oferecimento de novas denúncias

 

  • arquivamento

 

Por lei, após o encaminhamento, o Ministério Público terá até 30 dias para dizer ao colegiado se houve adoção de medidas em relação às conclusões previstas no parecer.

 

Em 2021, ao julgar a validade da norma, o STF fixou entendimento de que o MP deve dar prioridade à avaliação do relatório.

 

O que diz o relatório

 

Eliziane Gama atribuiu 26 tipos de delitos diferentes aos 61 indiciados. Os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado são os mais frequentes.

 

O relatório final destacou uma teia de aliados e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. E apontou esforços empreendidos por ele — antes, durante e depois das eleições de 2022 — como fatores essenciais para os atos golpistas de 8 de janeiro.

 

O documento contém 314 menções ao nome do ex-presidente e 812 citações ao sobrenome Bolsonaro.

 

“As investigações aqui realizadas, os depoimentos colhidos, os documentos recebidos permitiram que chegássemos a um nome em evidência e a várias conclusões. O nome é Jair Messias Bolsonaro”, afirmou a senadora.

 

Segundo Eliziane, o ambiente golpista teria sido incitado deliberadamente por Bolsonaro ao longo de seu mandato. Ela elencou como sinais dessa tentativa as agressões à Justiça Eleitoral, ao STF e à imprensa; a aproximação ideológica com setores das forças de segurança e militares do país; e o aparelhamento de órgãos de inteligência.

 

“Ainda assim, Jair Bolsonaro perdeu as eleições. O plano inicial — de tomar o poder por dentro — fracassou. […] Sem votos, sem razão e sem hombridade, Jair Bolsonaro — ele mesmo o reconhece, e aqui o demonstramos — buscou ‘alternativas'”, escreveu.

 

A senadora relembrou a minuta de decreto golpista encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres; a tentativa de buscar apoio junto às Forças Armadas para um golpe de Estado; e um estímulo ao “caos social”, com a ausência de reconhecimento da derrota de Bolsonaro no segundo turno das eleições.

 

Eliziane rechaçou a tese de que não houve uma tentativa de golpe de Estado durante os atos.

 

“Eles queriam tomar o poder. Eles acreditavam nessa possibilidade. Eles o diziam abertamente: em voz alta, nas redes sociais, em cada faixa ostentada na frente do Quartel-General do Exército. A invasão e a depredação dos prédios públicos seriam apenas o estopim”, disse.

 

Segundo ela, a invasão só foi possível graças à “omissão premeditada e deliberada” de membros da cúpula da PM do DF; à “conivência e a leniência” de setores das Forças Armadas; e ao “treinamento, preparação, articulação” de vândalos, instigadores e financiadores.

 

Crimes atribuídos a Bolsonaro

 

Eliziane Gama pediu a responsabilização de Jair Bolsonaro por quatro crimes. Na avaliação dela, o ex-presidente foi autor intelectual e moral dos ataques aos Três Poderes, em janeiro deste ano.

 

Eliziane afirmou que Bolsonaro tem “responsabilidade direta” por “grande parte dos ataques perpetrados a todas as figuras republicanas que impusessem qualquer tipo de empecilho à sua empreitada golpista”.

 

A senadora avaliou, ainda, que Jair Bolsonaro e seu entorno “compreendiam a violência e o alcance das manifestações” golpistas e, de maneira deliberada, colocavam “mais lenha na fogueira”.

 

Ela defendeu, então, o indiciamento do ex-presidente pelos seguintes crimes:

 

  • associação criminosa — pena de 5 a 10 anos de reclusão, além de multa

 

  • tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito — pena de 4 a 8 anos de reclusão, além de pena relacionada ao ato violento

 

  • tentativa violenta de depor governo legitimamente constituído (golpe de Estado) — pena de 4 a 12 anos de reclusão, além de pena relacionada ao ato violento

 

  • e emprego de medidas para impedir o livre exercício de direitos políticos — pena de 3 a 6 anos de reclusão, além de pena relacionada ao ato violento

 

Outros indiciados

 

O parecer de Eliziane destacou o envolvimento de militares das Forças Armadas — da ativa ou da reserva — e de policiais militares do DF nos atos de 8 de janeiro.

 

Dos 61 pedidos de indiciamento, 29 são de membros ou ex-membros das Forças e PMs. Oito generais do Exército aparecem na lista, entre eles o ex-comandante da força terrestre Freire Gomes.

 

Também é citado o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, que foi apontado, em delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, como o integrante da cúpula das Forças Armadas que teria apoiado a intenção golpista do ex-presidente.

 

São mencionados cinco ex-ministros e seis auxiliares diretos de Bolsonaro.

 

Veja a lista completa a seguir:

 

1 – ex-presidente Jair Bolsonaro

2 – general Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa

3 – Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e então secretário de Segurança Pública do DF nos atos

4 – general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Bolsonaro

5 – general Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro

6 – general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro

7 – almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha

8 – general Freire Gomes, ex-comandante do Exército

9 – tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e principal assessor de Bolsonaro

10 – Filipe Martins, ex-assessor-especial para Assuntos Internacionais de Bolsonaro

11 – deputada federal Carla Zambelli (PL-SP)

12 – coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro

13 – general Ridauto Lúcio Fernandes

14 – sargento Luis Marcos dos Reis, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro

15 – major Ailton Gonçalves Moraes Barros

16 – coronel Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde

17 – coronel Jean Lawand Júnior

18 – Marília Ferreira de Alencar, ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça ex-subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do DF

19 – Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal

20 – general Carlos José Penteado, ex-secretário-executivo do GSI

21 – general Carlos Feitosa Rodrigues, ex-chefe da Secretaria de Coordenação e Segurança Presidencial do GSI

22 – coronel Wanderli Baptista da Silva Junior, ex-diretor-adjunto do Departamento de Segurança Presidencial do GSI

23 – coronel André Luiz Furtado Garcia, ex-coordenador-geral de Segurança de Instalações do GSI

24 – tenente-coronel Alex Marcos Barbosa Santos, ex-coordenador-adjunto da Coordenação Geral de Segurança de Instalações do GSI

25 – capitão José Eduardo Natale, ex-integrante da Coordenadoria de Segurança de Instalações do GSI

26 – sargento Laércio da Costa Júnior, ex-encarregado de segurança de instalações do GSI

27 – coronel Alexandre Santos de Amorim, ex-coordenador-geral de Análise de Risco do GSI

28 – tenente-coronel Jader Silva Santos, ex-subchefe da Coordenadoria de Análise de Risco do GSI

29 – coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante da PMDF

30 – coronel Klepter Rosa Gonçalves, subcomandante da PMDF

31 – coronel Jorge Eduardo Naime, ex-comandante do Departamento de Operações da PMDF

32 – coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra, comandante em exercício do Departamento de Operações da PMDF

33 – coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, comandante do 1º CPR da PMDF

34 – major Flávio Silvestre de Alencar, comandante em exercício do 6º Batalhão da PMDF

35 -major Rafael Pereira Martins, chefe de um dos destacamentos do BPChoque da PMDF

36 – Alexandre Carlos de Souza, policial rodoviário federal

37 – Marcelo de Ávila, policial rodoviário federal

38 – Maurício Junot, empresário

39 – Adauto Lúcio de Mesquita, financiador

40 – Joveci Xavier de Andrade, financiador

41 – Meyer Nigri, empresário

42 – Ricardo Pereira Cunha, financiador

43 – Mauriro Soares de Jesus, financiador

44 – Enric Juvenal da Costa Laureano, financiador

45 – Antônio Galvan, financiador

46 – Jeferson da Rocha, financiador

47 – Vitor Geraldo Gaiardo , financiador

48 – Humberto Falcão, financiador

49 – Luciano Jayme Guimarães, financiador

50 – José Alipio Fernandes da Silveira, financiador

51 – Valdir Edemar Fries, financiador

52 – Júlio Augusto Gomes Nunes, financiador

53 – Joel Ragagnin, influenciador

54 – Lucas Costar Beber, financiador

55 – Alan Juliani, financiador

56 – George Washington de Oliveira Sousa, condenado por envolvimento na tentativa de atentado ao aeroporto de Brasília

57 – Alan Diego dos Santos, condenado por envolvimento na tentativa de atentado ao aeroporto de Brasília

58 – Wellington Macedo de Souza, condenado por envolvimento na tentativa de atentado ao aeroporto de Brasília

59 – Tércio Arnaud, ex-assessor especial de Bolsonaro apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”

60 – Fernando Nascimento Pessoa, assessor de Flávio Bolsonaro apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”

61 – José Matheus Sales Gomes, ex-assessor especial de Bolsonaro apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”

 

 

Discussão sobre o relatório

 

Por mais de quatro horas, parlamentares discutiram o relatório apresentado por Eliziane Gama.

 

Governistas saíram em defesa do documento e fizeram elogios ao trabalho feito pela relatora nos últimos cinco meses. Já a oposição direcionou ataques, ironias e críticas ao relatório.

 

Defendida inicialmente em larga escala por congressistas contrários ao Planalto, a CPI foi marcada pela estratégia da base aliada ao Planalto para ampliar a sua influência nos encaminhamentos da comissão e pelo insucesso da oposição em impor uma narrativa de autogolpe.

 

Membros da oposição repetiram que a comissão foi “tomada de assalto” pelo governo e que houve suposta leniência com integrantes do governo Lula.

 

O senador Esperidião Amin (PP-SC) afirmou que o parecer “falta com a verdade” e criticou a ausência de responsabilização de membros do governo Lula, como o ex-ministro Gonçalves Dias e o ministro Flávio Dino (Justiça).

 

“Bastam esses dois exemplos para desqualificar o relatório, pela sua absoluta tendência que ignora a verdade. Ignorar a verdade, neste caso, não é mentir, é fraudar”, disse.

 

Em seu discurso, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) declarou que o parecer da CPI não servirá para “porcaria nenhuma”.

 

“Esse relatório não passa de água de salsicha, não serve para porcaria nenhuma. Até mesmo porque é uma recomendação”, afirmou.

 

Eliziane Gama rechaçou as críticas, defendeu o documento e disse que as sugestões de indiciamento estão fundamentadas.

 

“Nenhum dos indiciamentos dessa comissão veio sem o devido levantamento de provas materializadas — seja por cruzamento de informações e dados, porque nós quebramos sigilos bancários, telefônicos, telemáticos, fiscais, RIFs. Nós fizemos uma leitura apurada. Os indiciamentos que estão aqui, consignados neste relatório, têm respaldo com muita fundamentação”, declarou.

 

O que está consignado aqui foi construído a várias mãos. Então, tentar desqualificar ou diminuir esse embasamento é uma perda de tempo”, acrescentou.

 

Indiciada no relatório, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) também discursou na reunião. Ela criticou a senadora Eliziane Gama e afirmou que uma “série de injustiças” foram cometidas pela CPI.

 

“A senhora não teve a capacidade de anexar uma prova contra mim. [O indiciamento] é mais uma medalha que eu carrego no meu peito. É o mesmo indiciamento que Renan Calheiros fez contra mim na CPMI da mentira e do circo. Vindo de vocês, isso é só mais uma medalha que eu vou [carregar] de honestidade, de extremismo, sim, mas extremismo a favor da vida”, disse Zambelli.

 

 

*Com informações do G1 

 

 

 

 

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