E a esperança: por onde anda?

16/06/2019 | Destaque, Psicologia em Foco

 

   O crime de Brumadinho trouxe consigo não apenas um mar de lama que ceifou várias vidas e destruiu centenas de sonhos. O ano de 2019, especialmente por esse ocorrido, começou e ainda se mantém num ritmo contínuo e acelerado de notícias ruins, vez ou outra intercaladas por um bom acontecimento. Nesta semana mesmo, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF), apesar de todas as críticas recentes que possam ser dirigidas ao órgão, aprovou a criminalização da LGBTfobia (o preconceito e a discriminação de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e trans). Embora se trate de uma variante incomum enquanto atuação do STF, vê-se um sinal de esperança em tempos tão sombrios: racismo, lgbtfobia, alto índice de desemprego (taxa de 12,4% em fevereiro deste ano), corrupção naturalizada, e por aí vai. Parece que a história é mesmo um processo de interposições. Hora mais, hora menos, as coisas mudam, mesmo que vagarosamente.

    É nesse cenário, e sobretudo apesar dele, que esse breve artigo é um convite à reflexão sobre os efeitos (ou ausências) da esperança nas nossas vidas. É cada um e cada uma quem sabe da dificuldade que pode ter para manter-se positivo e perseverante em tempos de turbulências, mesmo que estas preocupações estejam aparentemente longe daquelas que possuem cunho coletivo e social. Afinal, é no campo da individualidade que o ser humano experimenta, prioritariamente, “a dor e a alegria de ser quem e aquilo que é”, já que não há sujeito sem sociedade e nem sociedade sem sujeito.  Assim, parece que mais do que nunca se impõe uma pergunta: por onde anda a nossa esperança? Por que e em que nos agarramos quando as coisas ficam difíceis demais? Dar respostas a essas questões é um exercício de retorno às causas mais sacramentais que nos habitam. É que nem voltar aos primeiros períodos da filosofia, lá onde os filósofos começavam a ensaiar o sentido da vida. “A esperança é o sonho do homem acordado”, já dizia Aristóteles.

    Se na perspectiva da ciência psicológica considera-se que a repetição não se dá por acaso, um elemento que precisamos considerar nessa análise sobre a esperança é o tipo de narrativa ou discurso que reside em nós. Ora, tender à repetição não deve ser sinônimo de determinismo ou reducionismo a esse ou aquele padrão. Constatar que possuímos (algo presente, mas que pode ser mudado) traços de personalidade que nos fazem mais otimistas ou pessimistas deve ser um pontapé inicial, e não uma sentença na qual transformamos uma herdada “genética emocional” em uma muleta. Mas, obviamente, toda uma gama de investimentos, disposições e condições são necessárias para alterar esse quadro. A ação conjunta entre o indivíduo e o sistema que o circunda deve ser uma composição que trabalha como rede de apoio que funciona. E, sobre essa rede, não podemos deixar de mencionar o fundamental papel daquele que é o primeiro e o principal responsável pela proteção e cuidado das pessoas: o Estado, esse que tem sido omisso, especialmente com o campo da Saúde Mental. Parece que, para ele, investir em saúde é um gasto! Até porque, sejamos sinceros: é muito mais fácil e menos trabalhoso pensar negativo! O fatalismo é um prato cheio pra quem tem fome de estagnação.

    Assim, frases como “nada vai mudar” ou “pior do que está não fica” não passam de autorizações, dadas por aqueles que as proferem, para que o mundo continue na exata direção daqueles que o controlam. São os discursos de lideranças religiosas, governamentais e de outras instituições que acabam norteando a prática dos diversos cidadãos que não se colocam na posição de questionadores e avaliadores daquilo que lhes é orientado. Mais importante do que nos agarrarmos a discursos messiânicos, simplistas e de aparente resolução, para retomar a nossa esperança precisamos é de um sentimento de indignação com o que está apresentado como pronto e de utopia na dose certa. A distopia, o seu oposto, é outro mar de lama que soterra vidas possíveis e deixa os criminosos do discurso pessimista impunes. E “o pessimismo” – sugeria Frei Betto em uma das suas palavras -“deixemo-lo para dias piores”.

Nilmar Silva é Psicólogo (CRP 04/47630), Filósofo, Professor e Especialista em Educação. Faz atendimentos clínicos em seu consultório em Itaúna e Divinópolis, e escreve artigos para a sua coluna na Rádio Santana FM. É também coordenador da Comissão de Psicologia, Gênero e Diversidade Sexual do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais – Centro Oeste.

 

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