Em meio às investigações a respeito dos petiscos contaminados que já causaram danos a mais de 100 cães em todo o Brasil, a Polícia Civil de São Paulo e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) apuram uma possível tentativa de fraude em laudos sobre o propilenoglicol usado na fabricação dos petiscos.
A denúncia é da A&D Química, empresa sediada no município de Arujá, em São Paulo, e tem como alvo a Tecnoclean – indústria localizada em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. A empresa mineira (Tecnoclean, acusada de pedir para fraudar laudos) foi responsável pelo fornecimento da matéria-prima para a Bassar, que vendeu os petiscos contamidados.
Segundo a denúncia da A&D, o propilenoglicol vendido para a Tecnoclean não poderia ser utilizado, em nenhuma hipótese, na indústria de alimentos, tanto para humanos quanto para animais. O problema está em seu grau de pureza indicado. No caso, o produto autorizado para o manejo na produção de alimentos é o propilenoglicol USP. Apesar da mudança singela na nomenclatura, a diferença é enorme para o consumidor, como explica o professor de química do Uni-BH, Carlos Alexandre Vieira.
“Tanto na indústria química quanto nos laboratórios, nós temos graus de pureza superiores. Então, quando a gente escolhe um produto grau USP, que faz alusão a farmacopeia americana, eles trazem padrões e parâmetros de referência. Quando usamos a expressão de um reagente de grau USP, é porque é um produto de pureza maior”, explica.
Em conversa por telefone, na última segunda-feira (12), o marido da proprietária da A&D Química, que se identificou como Júlio, explicou que a Tecnoclean sabia que estava adquirindo um produto que não poderia ser utilizado na indústria alimentícia. “Em nenhum momento o laudo que eu dei para eles é de propilenoglicol USP, e eu não tenho licença para vender para uma indústria de alimentos. A indústria de alimentos é uma cadeia, você vai comprar uma água, tem que comprar de quem tem (aval da) Anvisa. Eles não me consultaram, mas eu falei (a questão) para eles”, afirmou.
Na mesma conversa, Júlio revelou que chegou a ser procurado pela Tecnoclean após a venda, em uma tentativa de adulteração dos laudos. Mas o pedido não teria sido atendido. “Ela (a compradora) me ligou e disse assim: ‘Júlio, me manda o laudo, mas escrito USP. Correto?’ Aí eu não entendi o porquê e ela me disse: ‘estou com dois auditores aqui’. Aí eu falei que não poderia escrever como USP porque eu já tinha mandado o laudo, e ela me disse: ‘é só pra passar’. Eles sabem que eles não compraram um material com laudo ou uma nota USP, todas as notas que eu vendi pra eles são simples, é propilenoglicol”, justifica.
Questionado sobre as datas e as provas dessa tentativa de fraude, Júlio alegou que as investigações estão em segredo de Justiça. Nesta quinta-feira (15), em um novo contato telefônico, a proprietária da A&D, Alice Duarte, reafirmou as alegações do marido, mas se negou a repassar mais detalhes devido ao sigilo das investigações.
A reportagem entrou em contato com a Polícia Civil de São Paulo e com o Mapa para apurar se a tentativa de falsificação de laudos está sendo investigada. Em resposta, o Mapa alegou que as investigações que estão sendo realizadas são relacionadas a uma “possível contaminação do propilenoglicol por monoetilenoglicol, oriundo de empresa sem registro”, sem entrar em detalhes. Em nota, a Polícia Civil, se limitou a dizer que compareceu nas empresas que forneceram a matéria-prima e coletou elementos para auxiliar na perícia. Os funcionários da empresa prestaram os depoimentos e os representantes serão ouvidos nos próximos dias.
Produto impuro ou contaminado?
O foco das investigações está na contaminação do propilenoglicol por monoetilenoglicol na fabricação dos petiscos para cães, conforme já foi constatado nos exames preliminares realizados pelo Mapa. Segundo o professor Carlos Alexandre Vieira, o fato do propilenoglicol utilizado não ser o indicado não significa que ele poderia estar contaminado.
“Quando a gente fala de um produto sem a qualidade USP, não necessariamente ele está contaminado. A contaminação pode se dar por vários outros motivos, como uma falha humana, um tanque mal higienizado. Quando a gente pensa nessa possibilidade, comprar um reagente sem o grau USP, é um produto de qualidade inferior, porém é normal que esse reagente venha contaminado com outras substâncias”, alerta o professor.
Apesar de a A&D ter alertado a Tecnoclean que o produto não se tratava de propilenoglicol USP, os laudos do mesmo produto revendidos pela empresa mineira atestavam o contrário. Inclusive havia a indicação para a utilização nas indústrias farmacêutica, cosmética e de alimentos, incluindo refrigerantes.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que já notificou as empresas que compraram o produto da Tecnoclean, e que, até agora, não existem evidências de alimentos para consumo humano fabricados com lotes de propilenoglicol contaminados.
O que diz a Tecnoclean
Acusada pela A&D, a Tecnoclean foi procurada duas vezes pela reportagem de O Tempo, ao longo desta quinta-feira (15). No primeiro contato, a atendente desligou o telefone. Na segunda tentativa, um homem, identificado como Fernando, alegou que não iria se manifestar e que a empresa responderia por meio de um advogado. Assim como se manifestou pela primeira vez, a Tecnoclean também afirmou que vai afixar sua resposta sobre o caso na porta da empresa, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte.
De quem é o produto contaminado?
Tanto a Tecnoclean quanto a A&D são revendedoras. O propilenoglicol utilizado na fabricação de petiscos para cães com suspeita de contaminação é oriundo de uma empresa sem registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), segundo investigações da própria pasta (a A&D). Já a empresa que produz a substância ainda não foi revelada.
Por O Tempo