Esperança em tempos de dificuldade

23/11/2018 | Destaque, Itaúna, Psicologia em Foco

Esperança em tempos de dificuldade.

Psicólogo Nilmar Silva

Com certa frequência, sou procurado, no consultório clínico, por pessoas que se encontram em situações de grande dificuldade. Às vezes, até mesmo em desespero. Embora a psicologia já tenha conquistado um espaço entre aqueles e aquelas que procuram um processo de prevenção, tal como querem manter a saúde do corpo fazendo atividades físicas e alimentando-se melhor, a psicoterapia também costuma ser um comum e bom lugar de acolhida das adversidades da vida. Digo “lugar” já que se trata de um espaço que funciona como um recorte: uma parada para revisitar-se.

Dessa maneira, lidar com a perda da esperança e reacender a chama da crença em si mesmo, nas pessoas e na vida são movimentos que devemos fazer cotidianamente. Mas, sejamos sinceros: há épocas que isso parece impossível. Pegamos-nos descrentes, machucados, desmotivados, o que geralmente causa impacto na vida de modo geral: relações amorosas, laços familiares, atividade profissional, e por aí vai. Esse é o desafio sobre o qual me disponho a escrever neste breve texto, e com o qual lido a todo o momento. Como ajudar as pessoas a acreditarem novamente? Como possibilitar caminhos diferentes para que elas entendam que há algo além da dor do momento, além do problema em si? Como você que me lê agora lida com tempos de grande dificuldade?

A primeira questão que eu gostaria de oferecer para reflexão é sobre a dificuldade em experimentar a perda. Sim. Nós não fomos educados (são raras as exceções) para perder. Desde os primeiros anos, especialmente na escola, talvez a maioria das pessoas tenham escutado que deveriam ser as melhores: tirar a melhor nota, ter o melhor comportamento, vencer o jogo, ganhar muito dinheiro, etc. Não há nada de errado em querermos o melhor para nós mesmos! Mas parece que a perda da esperança tem uma relação profunda com não conseguir deixar de estar sempre no primeiro lugar, na primeira posição, vencer sempre. Portanto, ela não é necessariamente aquele sentimento de que tudo vai dar certo. É exatamente quando tudo parece estar dando errado é que precisamos ter o discernimento (sim, esperança também tem a ver com habilidade para racionalizar) para compreender o que é possível e o que é impossível, para saber que não é porque não conseguimos tudo que queremos que a vida precisa perder o seu sabor.

Em segundo lugar, gostaria de trazer uma leitura sobre a relação entre a esperança e o tempo. Numa época que o axioma Time is Money (“tempo é dinheiro”, numa tradução livre) quase que se transforma em um imperativo, a capacidade de análise sobre os problemas de uma forma equilibrada e vagarosamente pensada tornou-se um luxo. Afinal, demanda-se para a solução dos problemas a mesma velocidade que se espera dos celulares, da internet, das respostas do whatsapp. Esse é um ponto que tenho trabalhado bastante nas minhas palestras: as questões da vida não se resolvem com a mesma velocidade da internet 4G! E conhecer a origem da palavra pode nos ajudar, nesse sentido. Ela deriva do termo latino SPES, que formula o verbo SPERARE; ou seja, “ESPERANÇA” vem de “ESPERAR”. Pois bem, entendamos uma coisa: a solução nem sempre vem a galope! Sendo o termo SPES o significado de “confiança em algo positivo”, podemos concluir que a esperança é um misto de positividade e de capacidade para suportar a demora, a ausência momentânea e a lentidão. O convite parece ser o de ir à contra mão dessa urgência que a pós-modernidade nos interpela e quase nos impõe. Só se espera aquilo que ainda não se tem. E o modo como aguardamos o que está por vir pode ser decisivo na chegada ou não do que tanto queremos.

Por fim, vou trabalhar um quesito fundamental sobre essa temática: quase nunca esperamos sozinhos. A inauguração do termo indivíduo, ocorrida com o advento da modernidade, ainda hoje molda as nossas subjetividades. In-divíduo significa “aquele que não se divide”, ou seja, uma pessoa que crê na sua particularidade e que corre o risco de esquecer o sentido de coletividade. O desespero, muitas vezes, se dá também pelo sentimento de solidão durante a espera. Por vezes, uma cegueira pode se instalar e impedir a certeza da presença do outro que conosco espera, nos acolhe e talvez nos ajude a enxergar outras possibilidades. Assim, é muito importante compreender que o problema pelo qual passamos, embora tenha toda uma particularidade, não precisa ser enfrentado de maneira solitária. Se a construção de quem somos acontece por meio das relações que estabelecemos, ou seja, tudo daquilo que somos não “brotou do nada”, mas fez-se através de uma construção relacional, olhar à nossa volta é um modo fortificante de sentimento de pertença, de companheirismo e de acolhida para passarmos por fases difíceis que com alguma frequência podem nos visitar.

Aprender a perder, a lidar com a vagarosidade do tempo e a enxergar a mão amiga que acolhe e ajuda: estes elementos são constituintes de uma maneira menos dolorosa e mais humanizada para suportarmos a dor que se instala em nossas vidas quando o inesperado surge e nos chama ao mais íntimo de nós. Renovar a esperança é renovar a fé em nós mesmos: um processo diário que nos exige habilidade para cada época diferente e com desafios também diferentes.

Veja também