Uma imagem que demorou cerca de quatro décadas para ser registrada. Além de raro, o tatu-canastra, maior da espécie de tatu do mundo, é adepto a hábitos noturnos e tem preferência por viver em tocas subterrâneas.
Quem conseguiu capturar a imagem do animal lendário foi o fotógrafo Alessandro Abdala, que é de Sacramento (MG), cidade que tem uma das entradas para o Parque Nacional da Serra da Canastra.
Alessandro, que há quase 40 anos se dedica a fotografar espécies da flora e fauna na região, é reconhecido e premiado por belíssimas imagens, além de ter dois livros sobre as riquezas naturais da Serra da Canastra e colecionar encontros memoráveis com animais raros e até ameaçados de extinção, como o lobo-guará e o pato-mergulhão.
Quando ele relata que estava há quase 40 anos em busca de um registro do tatu-canastra, não há nenhum exagero.
A admiração pelo bicho, que pode ultrapassar um metro de altura e chegar a 60 quilos e cuja população está em declínio, iniciou na infância, quando começou a frequentar o Parque Nacional da Serra da Canastra acompanhando um tio, que era funcionário do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio).
Muito cedo, Alessandro conheceu os cenários estonteantes do Parque Nacional e passou a ter contato com tamanduás, veados, lobos, raposas, répteis e uma infinidade de aves, algumas só mais tarde soube que estão entre as mais raras do mundo.
“Entretanto, a busca por uma lenda do cerrado me perseguia. De existência onipresente, atestada por vestígios deixados nas trilhas lamacentas percorridas às primeiras horas da manhã, ou em buracos descomunais cavados nos barrancos das estradas, essa entidade mítica, como um santo graal, me parecia inalcançável. Décadas de buscas frustradas e eu não pude botar os olhos nele, o gigante do Cerrado: o tatu-canastra!”.
A extinção local de algumas espécies, devido à caça predatória e do desmatamento desenfreado no entorno do parque, sempre foi motivo de aflição para Abdala, como ele mesmo relata. No entanto, sempre persistente, algo parecia dizer que o encontro, quase impossível, mais dia, menos dia iria ocorrer.
“Foi uma verdadeira maratona de espera e preparação. Muitas vezes eu passava noites inteiras nas matas, equipado com câmeras de infravermelho e outros dispositivos para tentar capturar uma imagem do tatu canastra em seu ambiente natural.
O grande encontro
Ainda que as buscas tenham sido incansáveis, o grande encontro entre o fotógrafo e o tatu ocorreu como uma coincidência do acaso.
“Estava na companhia de dois amigos, dirigindo vagarosamente pela estrada, cochilando com a batida do motor e a monotonia da paisagem, quando uma visão se materializou sob o nevoeiro: caminhando em nossa direção vinha algo grande, desajeitado, incomum para aquela hora do dia. Foram segundos enigmáticos até que a névoa e o sono se dissipassem para eu entender do que se tratava e gritar assombrado: tatu canastra”.
Subitamente ele já estava fora do carro e tomado pela ansiedade, respiração ofegante e coração acelerado, as mãos quase não conseguiam achar os controles da câmera.
“Nem era para tanto, ele se mostrou dócil, sereno, majestoso. Pouco se deu pela nossa presença, desfilou lenta e calmamente frente às nossas lentes até mergulhar nevoeiro adentro e desaparecer no mar de capinzal”, relembrou.
A Imagem que vale ouro
A foto registrada por Abdala não é apenas uma realização pessoal, em que ele esperou anos para acontecer, mas também um marco significativo para a conservação da espécie. A imagem mostra o tatu-canastra em plena atividade diurna, com detalhes impressionantes de sua couraça robusta e garras poderosas.
“Ficamos estonteados, tomados pela emoção. Nos entreolhamos em silêncio, embevecidos, gratos. Havíamos comungado de um momento sublime. Fizéramos, à luz do dia, um dos mais difíceis registros fotográficos de nossas vidas. Sorriamos, realizados”, completou o fotógrafo.
Parados no meio da estrada, os três contemplavam, ainda assustados, a imagem colossal do mamífero pré-histórico desaparecendo em meio ao capim.
“Fiquei em êxtase, tinha acabado de conhecer uma lenda, e era mesmo tudo que permeava minhas lembranças, um ser extraordinário, eterno, sobrenatural, verdadeiramente um gigante”, finalizou.
Conservação
Registrar a natureza em suas formas mais genuínas é uma missão para Abdala, e com o tatu-canastra eternizado por suas lentes ele continua com o trabalho incansável, explorando a região da Canastra, sempre à procura de novas maneiras de capturar a beleza da fauna e flora e inspirar a proteção da biodiversidade.
“O tatu-canastra simboliza, hoje, o testemunho de um bioma que luta para sobreviver no Brasil: o Cerrado. A sua presença na região atesta a qualidade ambiental deste lugar, protegido pelo Parque Nacional, e a necessidade de manter esse santuário preservado. Com todos os compromissos que a sociedade moderna nos impõe, acabamos esquecendo que somos interdependentes de todos os animais. O tatu-canastra está aí para nos lembrar de que é muito importante que todos diminuam o ritmo e celebrem a beleza da vida selvagem e a protejam”.
Mais que realizações pessoais, as fotografias de Abdala, que estampam livros, revistas, jornais e estão disseminadas na internet, são verdadeiros encontros com consciência de preservação urgente.
“Acredito que através das minhas fotos, as pessoas têm a oportunidade de conhecer animais e aprender coisas muito bonitas sobre eles, que de outra forma, nunca veriam. Como disse Cousteau: “o que você não conhece, você não pode cuidar”. Então, o meu trabalho é uma forma de as pessoas tomarem consciência de como a natureza é bela e de que deve ser respeitada, protegida e cuidada”, finalizou.
*Com informações G1