Uma audiência foi realizada na noite de sexta-feira 15/3, na Câmara Municipal de Igarapé (RMBH), atendendo a requerimento da deputada Beatriz Cerqueira (PT), foi comandada pela deputada Ione Pinheiro (União), vice-presidente do colegiado.
Em caráter emergencial, a revogação imediata da Certidão de Conformidade Ambiental emitida pela Prefeitura de Itatiaiuçu; em um segundo momento, a criação de uma unidade de conservação já em negociação pelo Ministério Público Federal como medida compensatória por outro dano ambiental causado pela Mineradora Usiminas na região.
Essas são duas luzes no final do túnel apontadas durante audiência da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), para preservar o monumento natural Pedra Grande e o seu entorno. A formação rochosa estaria sob risco de ser destruída por mais um empreendimento minerário em vias de ser implantado na região.
O encontro começou em clima tenso, sob forte policiamento, a pedido de Beatriz Cerqueira. A parlamentar denunciou em suas redes sociais, logo na abertura da audiência, que haveria ameaças de que a reunião seria impedida de acontecer, inclusive com agressões, por “pessoas estranhas do debate” supostamente patrocinadas por agentes do poder econômico.
“Temos informações que até mesmo trabalhadores dessas mineradoras estão sendo coagidos para atuar como manifestantes em atividades do Poder Legislativo. Isso será investigado”, assegura Beatriz Cerqueira.
“Não adianta tentarem me intimidar, inclusive com mentiras na imprensa. Não vou parar de tentar proteger a Pedra Grande. O lucro e a ganância não podem ser superiores ao direito à vida. Não adianta dizer que vai minerar só no entorno porque isso vai destruir a Pedra Grande do mesmo jeito. Também não adianta discutir compensação. Nada compensa a falta de água, as doenças que vêm com a destruição do meio ambiente, as mortes com barragens, o fim de um modo de vida”. disse a Depeutada Beatriz Cerqueira
A Pedra Grande é um afloramento rochoso de grandes proporções a 1.434 metros de altitude e que pode ser avistado a longa distância, situado na Serra Azul, divisa entre os Municípios de Igarapé, Itatiaiuçu e Mateus Leme, todos na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Não bastasse a beleza desse marco geográfico para a população da região – com nascentes, quedas d´água e ainda um corredor ecológico de travessia de animais silvestres, o único intacto na região –, o entorno da Pedra Grande abriga comunidades tradicionais e tem grande apelo turístico, sendo palco até da prática de esportes radicais.
Coube à geóloga Daniela Cordeiro dimensionar, em sua apresentação na audiência, o risco que o chamado Projeto Camargos, da Usiminas, representa para Pedra Grande, que já é tombada pelos Municípios de Itatiaiuçu e Igarapé. No caso do primeiro, foi esse marco inclusive que deu nome à cidade, já que Itatiaiuçu significa “pedra grande dentada” na língua tupi.
Segundo ela, o licenciamento concedido pelo governo estadual à Usiminas, com a anuência da Prefeitura de Itatiaiuçu, prevê, entre outros impactos, a abertura de uma cava para retirar 2,9 milhões de toneladas de minério, uma pilha de estéril (resíduos da mineração), a construção de um dique (barragem) de nove metros de altura e a abertura de uma estrada de 3,5 km de extensão que receberá tráfego intenso de caminhões e outros equipamentos de mineração.
“Tudo isso a menos de 500 metros da Pedra Grande. Toda a paisagem abaixo da Pedra Grande vai virar um grande buraco”, lamentou. Ela lembrou que a Comunidade de Vieiras, situada nas proximidades, vai perder seu acesso à Pedra Grande e ao chamado Morro do Cruzeiro, local de peregrinação religiosa, e não foi consultada em nenhum momento.
“A empresa fala que tal nascente está seca e quando você vai lá vê que está brotando água. Se a mineração for para lá, vai sumir tudo, tudo mesmo, até a vista.” lembra a Geóloga Daniela Cordeiro
Com o apoio de moradores da região, a geóloga realizou um levantamento completo dos pontos de interesse da região, como nascentes, riachos, cachoeiras, cavernas e acessos, e, segundo ela, a grande maioria foi negligenciada nos estudos realizados pela mineradora para conseguir o licenciamento.
Surpreendidos, moradores se mobilizaram primeiro
Foram os moradores da Comunidade de Vieiras quem primeiro se mobilizaram quando, em junho do ano passado, o acesso da comunidade à Pedra Grande foi fechado sem aviso pela mineradora para o início do empreendimento. Foram feitos vários protestos até que, dois meses depois uma liminar na Justiça garantiu a reabertura e suspendeu o início dos trabalhos.
Símbolo da luta contra a destruição da Pedra Grande, José Roberto Pereira Cândido, o “Zezé”, morador daquela comunidade, ajudou na elaboração do estudo que atestaria as falhas da documentação de licenciamento preparada pela mineradora.
“Desde 1996 venho juntando informações. Não estudei, mas tenho interesse pela comunidade em que nasci. Infelizmente, a maioria das pessoas que mandam em Itatiaiuçu são ricas em dinheiro, mas pobres de espírito”, afirmou, emocionado.
Conforme explicado na reunião, foi fundamental para o licenciamento uma Certidão de Conformidade Ambiental emitida pela Prefeitura de Itatiaiuçu ainda em 2019. Beatriz Cerqueira lembrou que pediu a suspensão do documento em ofício enviado à prefeitura local há quase um ano, ainda sem resposta oficial.
Bastante questionado pela plateia da audiência, o secretário municipal de Meio Ambiente de Itatiaiuçu, Lucas Lima Andrade Belo, lembrou que assumiu o posto no final do ano passado e que o documento citado, “emitido na gestão municipal anterior”, está sendo avaliado em âmbito administrado e judicial e pode ser revisado.
“Vale lembrar que todo o impacto ambiental nesses casos é analisado pelo Estado, que licenciou o empreendimento”, argumentou o secretário.
O encontro na Câmara Municipal de Igarapé começou em clima tenso, sob forte policiamento – Foto Alexandre Netto
MP Federal atua em duas frentes
O procurador da República, Ângelo Giardini de Oliveira, destacou que o Ministério Público Federal atua em duas frentes com relação ao Projeto Camargos.
Além de um procedimento já instaurado para revisar a legalidade do licenciamento ambiental concedido pelo Estado, nesta semana deve acontecer mais uma reunião com representantes da Usiminas para tentar um acordo em outro procedimento legal para viabilizar a criação de uma área de conservação que garanta a proteção da Pedra Grande.
A ideia é selar um acordo de reparação para impactos já consumados pela Usiminas em outra área de mineração na região, a chamada Mina Oeste, na divisa entre Mateus Leme e Igarapé. Até o momento, a maior divergência seria quanto à extensão da área de conservação no entorno da Pedra Grande, que o MP Federal ainda considera insuficiente.
“Só quem já esteve na Pedra Grande sabe como ela é apaixonante. Chamei todo mundo para conversar porque esse é um assunto que não pode ser decidido só dentro de gabinetes. Mas ainda é muito cedo para afirmar se o acordo vai dar certo ou não”. falou o Procurador da República Ângelo Oliveira
A mineração na Serra Azul, que emoldura o horizonte para quem vive em Igarapé, é objeto há décadas de várias disputas judiciais opondo empresas a ambientalistas, com os poderes públicos municipais alternando entre um lado e outro da disputa.
O procurador-geral do Município de Igarapé, Pedro Américo, garantiu que a preservação da Pedra Grande, o que consta até da Lei Orgânica Municipal, de 1990, é prioridade para a prefeitura local. Um exemplo disso, segundo ele, é o tombamento do marco natural ainda em 2008, que foi estendido em agosto de 2023.
“Mas essa é uma batalha árdua, que não termina com a extensão do tombamento. Isso até gerou uma nova disputa, já que um mandado de segurança foi impetrado pelas mineradoras contra o prefeito por causa do decreto de tombamento”, lembrou o procurador.
Na mesma linha, o secretário de Meio Ambiente de Igarapé, Isaías de Abreu, lembrou que 64% território municipal já é área de proteção ambiental, inclusive a Pedra Grande. O entorno dela, segundo ele, é uma zona de conservação, área com maior nível de restrição, enquanto que abaixo dela, é uma zona de uso restrito.
“Estamos fazendo nossa parte”, pontuou, lembrando que as nascentes da região da Pedra Grande alimentam oito córregos da região que contribuem diretamente para o Sistema Serra Azul, da Copasa, que abastece de água boa parte da RMBH.