MOVIDO A GROSELHA

5/11/2019 | Luiz Mascarenhas

*Prof. Luiz Mascarenhas

A sexta feira era da Paixão. E naqueles tempos, da Paixão mesmo. O adro da Matriz de Sant’Ana já amanhecia com um longo e velho cortinamento de vermelho bordô, descorado pelo tempo. Atrás escondia o “calvário”, que tinha vários lances de escada e atrás de tudo um cenário pintado reproduzindo a cidade santa de Jerusalém, com um céu fechado e até um raio entrecortando o horizonte. À noite, para a cena ficar mais tétrica e solene, se acendiam várias tocheiros encimando colunas gregas elaboradas à partir de tubos de PVC e que continham estopa embebida de óleo diesel que produziam uma fumaça espeça e mal cheirosa.

Contudo, era a tarde que o víamos. Exatamente pela hora noa…Às três da tarde. Ora defronte a Capela Imaculada Conceição, em outros anos, em frente a Estação Ferroviária.

Nascera MARCELO AUGUSTO DE FARIA MATTOS a 5 de agosto de 1930 em Itaúna, filho de Serjobes Augusto de Faria — que fora escrivão de paz — e de Aureslina Matos de Faria. Invariavelmente tecíamos alguns dedos de prosa, nas tardes ensolaradas e modorrentas na porta da célebre Casa Adolfo Mendes, na rua Cel. Arthur Vilaça, aonde eu trabalhava.

Marcelo era uma figura. Alegre, bonachão e o típico mineiro; chegava como quem não queria nada, falando baixinho e logo tomava a cena, sempre com um bom causo dos velhos tempos, da rádio, do teatro e etc. Ainda tenho nos escaninhos da minha memória sua voz pelas ondas da Rádio Clube de Itaúna. “Cês tão ouvindo pelo Rádio Crube o programa “Tarde Sertaneja”, patrocínio de Cinderela Calçados – aonde você encontra os melhores calçados da cidade!”  E isso faz tempo…”Passaram bombril no céu” era sua expressão quando o firmamento sobre as terras de Sant’Ana de Itaúna brilhavam bem azuis como céu de brigadeiro.

Mas, voltando para a sexta feira da Paixão, lá estavam duas figuras emblemáticas: o nosso sempre prestimoso e reverendíssimo Cônego José Ferreira Netto, com sua surrada batina e sobrepeliz e o Marcelo- ou melhor- o MINEIRINHO – com seu jipe amarelo, encimado por duas cornetas de som, viradas cada uma para um lado e atrás se lia no vidro: movido a groselha. Devia ser mesmo, porque ao ligar, às vezes desprendia um canudo de espessa fumaça. O sistema rudimentar de som do jipe era utilizado pelo Pe. Zé Netto para anunciar em tom solene a Via Sacra… “Primeira Estação: Jesus é condenado a morte” e lá saía o Mineirinho a acelerar o jipe, rompendo o silêncio sepulcral que reinava na cidade naquelas tardes da Semana Santa.

Revejo agora alguns personagens da  equipe de Semana Santa do Pe. Zé Netto: Targino, Vando Nogueira, Ilma Perillo, Pedro Alberto, Maestro Fernando de Souza Lima e tantos outros…

Mas não era apenas na Semana Santa que o nosso Mineirinho marcava presença nas festividades paroquiais. Havia a Festa da Padroeira. Lá estava ele com o famoso jogo do Táqui…”Vai corrê, vai corrê” anunciava e o pessoal de cartelas a postos, ele girava o pequeno globo e anunciava “A de abóbora, F de frango e T de tatu”…Era uma grande festa da família itaunense. Era uma outra Itaúna- humana e pitoresca, como tanto se foi dito.

Havia ainda o famoso Clube dos 30: formatado em um ambiente familiar, sadio e de grandes festas que deixaram saudades. Tudo obra do nosso Marcelo de Faria Mattos!

Mineirinho se foi para a Itaúna Eterna. Ele e tantos outros que povoaram essa nossa Itaúna, com graça, com leveza, com riso e humanidade. Eram doutores. Sim, os verdadeiros doutores da terra: doutor em Humanidade; coisa rara nos dias que correm. Hoje brilham em nossas memórias e que o povo não os esquece, porque cultivaram dos maiores tesouros da Terra: a boa vontade, a fraternidade e a Família!

 

*Bacharel em Direito / Licenciado em História pela UNIVERSIDADE DE ITAÚNA

Historiador/ Escritor/ Membro Fundador da ACADEMIA ITAUNENSE DE LETRAS/

Autor de “Crônicas Barranqueiras” e coautor de “Essências”, “Olhares Múltiplos” e

“O que a vida quer da gente é coragem”/

Cidadão Honorário de Itaúna

 

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