
Ao todo, foram 11.082 registros policiais que envolveram 4.167 presos em 450 municípios do Estado – Foto Reprodução Internet
Aglomerações nas celas, falta de vagas e condições precárias de higiene e saúde. A situação dos presídios em todo o país é conhecida há tempos por conta da falta de investimento que acompanhe o aumento da população carcerária, mas a chegada da pandemia do coronavírus trouxe um desafio a mais: evitar a propagação da doença nesses locais, que possuem alto risco de transmissão.
Desde março, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) passou a recomendar a prisão domiciliar a detentos do regime aberto e semiaberto ou a aplicação de medidas alternativas para pessoas que estão no grupo de risco da doença.
E até dezembro do ano passado, 12.385 pessoas foram liberadas por conta da pandemia. Porém, um levantamento divulgado nesta quinta-feira (28) pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) apontou que quase 34% dos presos voltou a cometer crimes nas ruas. Ao todo, foram 11.082 registros policiais que envolveram 4.167 presos em 450 municípios do Estado – mais da metade do território mineiro.
Para a coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), promotora Paula Ayres, os números apontam a necessidade de uma “atenção redobrada” à soltura de presos em função da pandemia. “O benefício da prisão domiciliar ou das prisões alternativas, deve ser aplicado àqueles que se encontram no grupo de risco e eles devem ser monitorados de forma bastante cuidadosa pelos órgãos de Segurança Pública”, afirmou.
Os crimes mais praticados
Além do tráfico de drogas, que lidera o número de ocorrências com 845 detentos, os crimes mais praticados foram furtos (791), ameaças (536), roubos (396), lesões corporais (331) e homicídios (200). Entre os crimes de maior potencial, ocorreram 123 homicídios consumados que envolveram os detentos, sendo que em 76 desses registros eles foram as vítimas – ou seja, assassinados.
Já as cidades com mais registros foram Belo Horizonte (1.326), Contagem (265), Sete Lagoas (243) e Uberlândia (204). A promotora Paula Ayres lembrou que o Ministério Público tem tentado revogar “os benefícios dos presos que descumpriram as medidas e busca ainda a monitoração contínua de todas as pessoas liberadas do sistema prisional mineiro”.
‘Situação totalmente esperada’
Para o membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Robson Sávio, o levantamento sintetiza a falência do sistema prisional do país na ressocialização dos presos. “A maioria é de família empobrecida, e quando voltam para a sociedade, independentemente de terminar de cumprir a pena ou por algum benefício, volta em uma situação de total abandono, além de altamente discriminatória. Isso é mais um elemento que mostra o total fracasso do sistema, que é muito caro e não cumpre seu papel social”, explica.
O especialista lembra que a maioria desses crimes cometidos pelos presos liberados em meio a pandemia são de menor potencial ofensivo. “Esse tipo de delito, como roubo, furto e tráfico de drogas, tem até relação com a subsistência das pessoas. Muitas delas não conseguem voltar para as famílias, em situação de muita dificuldade por conta da pandemia. As pessoas precisam sobreviver e muitas vezes o que sobre é a atividade ilícita”, argumenta Sávio.
Sobre os números apontados pelo Ministério Público, Robson Sávio alegou que essa já era uma situação “totalmente esperada” dentro do contexto atual. “Mostra mais uma vez o estigma sobre aqueles grupos de pessoas que entram no funil do sistema de Justiça. São pobres, pretos, sem vínculos familiares e sociais em um momento de pandemia e desemprego, quando a miséria está se alastrando”.
Membro da OAB defende manutenção da medida
O presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB em Minas Gerais, Maikon Vilaça, diz que a liberação dos presos em regime aberto ou semiaberto deve ser mantida nesse contexto de pandemia. “Se formos avaliar, são detentos que estão no grupo de risco e, ao serem contaminados, podem ter a vida em jogo. E é responsabilidade do estado resguardar. Por mais que eles tenham cometido crime, são seres humanos”, declarou.
Conforme Vilaça, nunca se prendeu tanto no Brasil, o que aponta que as políticas punitivas não funcionam. “Não estamos sabendo punir bem para que o indivíduo não volte a cometer crimes novamente. Vemos a pena de prisão privativa de liberdade em falência, e temos que criar alternativas para reintegrar aquela pessoa, dando condições para que sai da prisão com um trabalho, tenha condição de se sustentar e prosseguir com a vida sem voltar para o mundo do crime”, diz. Além disso, o especialista aponta que a maioria das prisões é por tráfico de drogas e crimes patrimoniais.
Violência doméstica responde por mais de 6% das ocorrências
Os dados do MPMG revelaram ainda que, das mais 11.000 ocorrências que envolveram os detentos liberados na pandemia, quase 700 ocorreram em um contexto de violência doméstica. As mais comuns foram ameaças (236), agressões (162), lesões corporais (148) e descumprimento de medida protetiva (39). Ainda ocorreram três estupros de vulneráveis, dois homicídios e um estupro. De acordo com o professor Robson Sávio, os casos aumentaram em todas as classes sociais durante a pandemia.
“Essa questão sempre tem que ser analisada dentro do contexto da sociedade, que é muito machista e misógina. E tem essa questão pandêmica que obriga as pessoas de um núcleo familiar a conviver mais, então é como se fosse um plus da violência que já existia”, declarou.
Nove presos morreram nas cadeias por coronavírus
Atualmente, o sistema prisional mineiro conta com quase 58.000 detentos, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública. O levantamento do MPMG apontou que 4.335 testaram positivo para o coronavírus, sendo que nove morreram, o que corresponde a 0,2% da população carcerária. Sobre o estudo, a pasta informou que “por questões de segurança, a Sejusp não comenta eventuais medidas estratégicas adotadas, como, por exemplo, a possível monitoração de presos liberados neste período”.
No Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19, o Ministério da Saúde considerou os detentos nos presídios como grupo prioritário. Até o momento, eles estão na fase 3 do calendário de imunização, ao lado de pessoas com comorbidades, membros das forças de segurança, professores, entre outras categorias. O Departamento Penitenciário Nacional não se pronunciou sobre alguma alteração na medida que libera os presos dos regimes aberto e semiaberto e nem informou se há algum levantamento realizado no país sobre a reincidência de crimes.
Já o MPMG alegou que as estatísticas detalhadas foram disponibilizadas a todos os promotores de Justiça do estado, “que poderão avaliar e requerer a revogação do benefício da prisão domiciliar, bem como a instauração de procedimento para apuração de falta grave”. Questionado se os números poderiam mudar a estratégia para evitar a transmissão do vírus e revogar a liberação dos detentos, o TJMG não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
Crimes praticados por presos liberados na pandemia
Dados se referem ao período entre março e dezembro do ano passado
- 12.385 detentos foram para prisão domiciliar ou alternativa
- 4.167 praticaram novos delitos (33,6% do total)
Metade desses presos se envolveram em mais de uma ocorrência
Os mais comuns
Registros de tráfico ilícito de drogas – 845
Furtos – 791
Ameaças – 536
Roubos – 396
Lesões corporais – 331
Homicídios – 200
Estelionatos – 23
Violência doméstica
Entre os liberados para prisão domiciliar ou alternativa, ocorreram 687 registros em contexto de violência doméstica
Homicídios
Das 200 ocorrências, 123 foram homicídios consumados e 77 tentados
76 detentos foram assassinados no período
Por O Tempo